Ausência de Mim

Abri os olhos para a escuridão. O meu corpo contorceu-se pelas dores de mil lâminas espetadas pelo tempo, e a recordação esvaíu-se do cérebro como um cadávere corroído pelo tempo.
Alguém me disse que eu já não me podia lembrar de nada e que agora podia recomeçar do zero e ser quem eu desejasse, que podia ser uma pessoa melhor.
Mas o problema persistia: melhor do que o quê? Do que quem? Onde estavam as memórias de 47 anos de uma vida? Onde estava a minha vida?
Nós somos hoje um produto do que fomos, pensámos e fizémos ao longo da nossa existência; um acumular de sentimentos e sensações, de experiências, vitórias e fracassos. E eu, o que sou hoje? Um acumular de nada?
Disseram-me que não tenho família. Ou será que tenho e apenas me abandonaram? Eu nunca amei? Nunca traí? Tenho algum segredo? E a minha profissão, que não lembro? E EU???
Disseram-me que fiquei cega com o que me aconteceu. Como poderá voltar a memória se não há visão que a reacenda? Como vou reaprender o mundo?
Disseram-me que me tentei suicidar. Porquê? Qual seria a dor insuportável que me levaria a isso e que eu já não sinto?
Disseram-me: foi um milagre ter sobrevivido.
... E será que sobrevivi?
Estou sedenta da vida que tive e não conheço, sedenta de um "mim" que é agora um "outra". E sinto a morte dentro de mim, a troçar às gargalhadas dizendo-me: "Querias-me? Aqui me tens!".
Comentários
Muito bom.
Bom , quanto ao texto eu digo simplesmente que: no final nada disso importa, nós nunca saberemos quem realmente somos nem o que exatamente estamos fazendo aqui. No final o que vale mesmo é o presente, o que fazemos agora. No final o que vale mesmo a pena é ter amado, amado a quem tu pôdes amar.
Ame até não poder mais.
Um abraço!
Obrigada pela visita tbm...virei mais vezes aqui.
Um beijo