Escolha

Procurei-te não sei em que fim de tarde de Outono, quando o sol começava a desaparecer atrás dos montes e os seus raios beijavam ainda as folhas vermelho-acastanhadas das árvores. Em frente a mim estendia-se um caminho de terra batida, antigo e esburacado, que se desdobrava mais adiante, como que a imposição de uma escolha a partir da qual se desenharia o futuro nas linhas da vida. Por trás de mim, ao fundo, erguiam-se os montes, imponentes, difíceis de subir, parecendo fundir-se com o céu e as nuvens. Por cima destas, bem lá no alto, vislumbrava-se já o recorte branco da lua, um traço fino como a pincelada suave e precisa de um artista, uma lágrima suspensa no céu. Dia e noite, sol e lua, coexistindo em harmonia, o equilíbrio perfeito entre a luz e a escuridão, a atracção inegável de dois opostos...
Parei, no meio da estrada, sem saber o que fazer, qual o caminho a seguir. O vento não passava de uma brisa amena que acariciava o meu rosto; a minha sombra projectava-se no solo como uma extensão de mim própria. Analisei as minhas alternativas: o caminho à direita, segundo a minha vista alcançava, tornava-se empedrado e estreito, à semelhança de uma via romana, e perdia-se numa curva para além da qual eu não conseguia ver mais nada. O caminho da esquerda era uma mistura de terra e pedras, mais largo mas aparentemente mais difícil de atravessar. Olhei para trás, para a estrada alcatroada que acabara de percorrer e que terminava tão abruptamente, dando lugar a este caminho de terra batida, mas não consegui dar meia volta e regressar. Não. Era altura de seguir em frente, independentemente do caminho que escolhesse, esquerda ou direita. Não conseguia escolher. Algo tão simples, e eu não conseguia escolher. Ambas as alternativas me pareciam enganadoras, como se escondessem uma armadilha. Não queria atravessá-las. Não queria descobrir o que quer que se encontrasse para lá das suas curvas. E, no entanto, tinha de escolher, e rápido, antes que os últimos raios de sol desaparecessem e a escuridão da noite me envolvesse. Estava sozinha. Deixara atrás de mim uma vida de mentiras, mágoas e ilusões, seguia sozinha e não tinha ninguém que decidisse por mim. Pensar nisso fez-me sentir tão fraca e cobarde que soçobrei ali mesmo, à beira do caminho. Caí de joelhos e tapei o rosto com as mãos, sentindo-me mais impotente e perdida do que nunca.
Foi quando o vento começou a soprar mais forte, levantando uma nuvem de poeira, que ergui a cabeça e o vi. Era um pequeno carreiro, semi-escondido pelas árvores e pela erva, coberto por um tapete de folhas secas. Não parecia ser utilizado há muito tempo, e provavelmente não iria dar a lado nenhum, mas foi para ele que me encaminhei com determinação. Eu não era obrigada a escolher apenas entre o caminho da esquerda e o da direita. Eu podia escolher o que quisesse porque, tal como aquele carreiro, entre o preto e o branco há uma infinita paleta de tonalidades diferentes. E foi assim que tomei a minha decisão. Entrei no carreiro determinada a não voltar para trás e comecei a caminhar, conduzida pelas suas curvas abruptas e sinuosas, as suas subidas íngremes, afastando vegetação para poder prosseguir, caíndo e levantando-me, caminhando com dificuldade devido às dores e ao cansaço, chorando de raiva de mim própria, porque esquerda ou direita teriam decerto sido escolhas muito mais fáceis...
... Até que, repentinamente, quando já havia mais sombras do que luz e eu me preparava para reconhecer mais um fracasso, as árvores começaram a escassear e o carreiro terminou, dando lugar a um solo duro e rochoso. Estava praticamente no cume de um dos montes que anteriormente estavam por trás de mim. Com o coração a bater mais forte, dei os últimos passos em direcção ao cume e olhei a paisagem que se estendia à minha frente. Todo o cansaço desapareceu, a raiva foi substituída por uma sensação inegável de paz e felicidade, tão profunda e intensa que lágrimas de outro tipo escorreram pelo meu rosto e eu abri os braços e rodopiei sobre mim mesma. À minha frente, lá em baixo, o mar brilhava num azul entrecortado pela espuma branca das ondas que beijavam a praia e as rochas e raiado de ouro puro desse sol de fim de tarde de Outono, que desaparecia enfim para dar lugar à lua que, lá no alto, adquiria cada vez mais brilho e mais beleza. E então eu sorri, feliz, fechei os olhos e inspirei essa fragrância de flores e erva e sal e amor. "Encontrei-te".

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