Entonteço. O pano cai. Levanto-me e olho o véu de luz que se formou, qual chama pálida de vela que se expande até formar o mais bonito e brilhante raio de sol. Sinto vultos estranhos à minha volta, dançando no fogo, que não falam, não vêem, não escutam, apenas dançam à roda, cada vez mais rapidamente. não têm forma humana, muito menos forma animal. São mistura da aura, da vibração, do espírito e da alma, procurando alcançar a luz para nela se adensarem e tornarem melhores. Aquele vulto sou eu, retirada de mim...

Renasço. O pano abre. Sento-me na areia quente do sol e olho o mar cintilante. Apercebo-me da realidade da vida, que desconheço. Gaivotas voam em círculos. As ondas, furiosas, batem nas rochas, revoltadas. O brilho do sol enfraquece. Estrelas de prata enchem o céu, guardadas por uma única pastora, a lua cheia, qual lago prateado perdido na escuridão fria da noite. Por um momento relembro a dança mística das sombras, mas logo esqueço. Sinto a vida como como um fio de luz perdido por entre luzes fortes, poderosas, das quais esse fio mal se distingue, rebatido, forçado, preso, intimidado... O mar reluz, e perante essa visão pareço ter reluzido eu própria; é como se ganhasse brilho, mas um brilho de ilusão que aparece, acende-se, mas logo a seguir desaparece, apaga-se. E cada onda que se forma é um pensamento que nasce, é uma parte de mim que revive, como se o coração batesse em função da batida das ondas nas rochas.

Procuro. O pano cai, suavemente. As sombras dançam, voltejando ao sabor do vento, contorcendo-se ao sabor das chamas. Nitidamente, reconheço a minha essência, o meu Eu, guiado pela luz emanada pelo fogo, que me sussurra, baixinho, o melhor caminho a seguir para alcançar a felicidade. Agora sim, sei que ela é possível, que pode ser de novo a minha realidade.

...

Procurando a essência das formas, o que dá vida às sombras que dançam em volta da fogueira de luz, perdidas na beatitude incandescente que volteia com a brisa.

Reflexos vermelhos de sangue que se torcem na areia quente e se desenham na água do mar, como um rasto de tragédia que se concretiza na realidade do ser.

De repente, um trovão, um relâmpago, e a fogueira apaga-se. As sombras continuam a sua dança errante na escuridão sombria da noite. Chamam os espíritos do ar, da terra e da água. Evocam a sua purificação. Buscam a perfeição e a luminosidade da aura.


Comentários

Sophia disse…
ADOREI ESTE TEXTO!!! Está lindo! Texto-poema, texto-sonhos, texto-ilusões... Transmite um mar, um redemoinho de sentimentos impossíveis de controlar e de parar por um segundo que seja. É, de facto, deveras maravilhoso verificar como há quem escreva tão bem e consiga transmitir tanto em tão pouco espaço! Espero continuar a ler belas criações como esta, pois é assim, através de coisas que parecem tão simples, que me sinto feliz por saber ler e apreciar palavras tão mágicas!!! Parabéns!
Heavenlight disse…
Obrigada! Foi escrito em 1998, na praia da Consolação (perto de Peniche), e é um dos meus preferidos.
Estás a estragar-me com mimos!...
Sophia disse…
Infelizmente hj n tenho tempo pr mais, mas creio que ninguém se consegue estragar com mimos, em especial quando os consegue obter por mérito próprio!;)

Mensagens populares deste blogue

Confissão

Pedra

Não me perguntem